O Dia Internacional da Mulher, a ser celebrado no próximo dia 8 de março, tem como uma de suas principais funções ser uma data para aprofundar a reflexão sobre os aspectos que ainda limitam as mulheres e a impedem de serem tratadas de maneira mais equânime com relação aos homens. Para a médica intervencionista em dor, dra. Amelie Falconi, neste sentido, vale debater a relação da mulher com a dor e mostrar como, apesar de serem, de maneira geral, mais suscetíveis a este sofrimento físico do que os homens, ainda são vítimas de bastante preconceito no que se refere ao diagnóstico e tratamento da dor.
Dra. Amelie explica que pesquisas têm mostrado consistentemente diferenças entre os sexos com relação à dor crônica, como a percepção, a descrição e expressão da dor, o uso de estratégias de enfrentamento e os benefícios de diferentes tratamentos. Existem descobertas convincentes de que as diferenças biológicas contribuem para as diferenças observadas entre os sexos.
A médica intervencionista em dor explica que diversas razões podem levar as mulheres a sentirem mais dor do que os homens, na média. “Os fatores genéticos, entre eles os fatores hormonais, que agem como mediadores da dor específicos do sexo”, diz. “Estudos mostram que a resposta da dor à mulher é afetada pelo ciclo menstrual, gravidez e também pode ser afetada pelo uso oral de contraceptivos”. O estrogênio, hormônio essencial à função reprodutiva feminina, por exemplo, quando aumenta ou diminui os seus níveis no organismo da mulher é responsável pelo aumento da excitação das células. Mais especificamente: as flutuações do estrógeno podem aumentar a expressão do fator de crescimento neural, o número de sinapses excitatórias no hipocampo, a ligação do glutamato ao receptor NMDA e potenciais pós-sinápticos excitatórios.
A médica intervencionista em dor destaca que as mulheres dominam a maioria dos diagnósticos relacionados à dor crônica. Segundo a Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED), mulheres costumam apresentar em maior quantidade dores no pescoço e ombros, no abdômen, cefaleias tipo tensão, enxaqueca após a puberdade, distúrbio da ATM – Articulação Temporomandibular, e outros.
Para se ter uma ideia, a relação mulher: homem de prevalência de condições dolorosas é da ordem de 1,5 para 1 em dor lombar, no ombro e joelhos, de 2 para 1 em dor orofacial, 2,5 para 1 em migrânea (dor latejante que afeta o lado da cabeça) e de 4 para 1 em fibromialgia, doença crônica que tem como principal sintoma dor constante por todo o corpo.
Conforme o SBED, há várias síndromes dolorosas que são específicas do sexo feminino. Entre as quais a dismenorreia (dor pélvica que surge no primeiro dia do período menstrual e que desaparece quando cessa o fluxo). Ela afeta entre 49% e 90% das mulheres e até 15% dos casos são sentidos como muito dolorosos. A dor pélvica crônica de origem ginecológica ou não, a vulvodinia (dor crônica na vulva), dor lombar baixa e pélvica durante a gravidez e a dor do parto são outras síndromes dolorosas que atingem especialmente às mulheres.
Não obstante a dor crônica ser mais prevalente e mais intensa no sexo feminino, dra. Amelie ressalta que as mulheres costumam ter suas queixas dolorosas minimizadas pela sociedade com mais frequência do que os homens. “Diversas vezes já escutei, inclusive de médicos especializados, que a dor de determinada paciente era ‘frescura’ ou psicológica e que a intenção da paciente era conseguir a atenção, seja do marido e dos filhos, ou de outras pessoas”, relata.
A médica intervencionista em dor comenta que é comum também nessas situações profissionais julgarem a vida da paciente para minimizarem seus lamentos. “Já escutei comentários desnecessários de profissionais de saúde sobre fotos de pacientes em redes sociais. O fato de uma paciente viajar no final de semana não tira o crédito da dor que sente”, afirma. Segundo dra. Amelie, as atividades da paciente fora do consultório não devem interferir na avalição da dor por parte do médico que faz seu atendimento. Para ela, aliás, observar uma vida ativa de uma paciente em redes sociais é motivo de celebração e não o contrário. “Queremos que a paciente tenha uma vida que vá além da dor. Precisamos comemorar, e não julgar, quando elas conseguem isso”, diz.
Amelie Falconi,
médica especialista em dor
Ela também afirma que esse tipo de comentários e julgamentos acontece entre pessoas do círculo social das portadoras de dores crônicas. “Frequentemente escuto comentários que minimizam as dores das pacientes. Até o fato das pacientes arrumarem o cabelo ou estarem maquiadas já foram pontos de questionamento sobre a veracidade da dor. A população precisa entender que portadores de dores crônicas habituam-se a exercer suas ativadades rotineiras mesmo com dor.”- afirma a médica.
Dra. Amelie destaca que a diferença na abordagem da paciente com dor crônica em relação aos homens já foi mostrada, inclusive, por estudo científico. A médica intervencionista em dor relata que um artigo de revisão levantou 77 artigos na literatura que tratavam sobre homens e mulheres com dor, normas de gênero e preconceito de gênero no tratamento da dor.
“O levantamento observou um paradoxo: não obstante a dor crônica ser mais prevalente e mais intensa no sexo feminino, os relatos da dor das mulheres são levados menos a sério, sua dor é descontada como sendo psíquica ou inexistente e seu tratamento é menos adequado do que o dado aos homens”, relata. Como decorrência deste desdém, segundo o artigo de revisão, as mulheres frequentemente são medicadas com mais antidepressivos e com menos analgésicos.
Para os pesquisadores, essa falta de atenção dos profissionais em relação às queixas das pacientes mulheres explica-se como uma expressão da masculinidade hegemônica e andronormatividade dos cuidados de saúde. Dra. Amelie concorda com a conclusão. “Esse artigo escancara a questão do machismo no atendimento da dor. Se é de conhecimento geral que a dor crônica acomete mais mulheres, porque quando elas chegam ao consultório e reclamam de dor são logo taxadas de emocionalmente fracas”, indaga.