Protagonista da cena da fotografia e do cinema brasileiro, Thomaz Farkas(1924-2011) completaria 100 anos em 2024. Em sua homenagem, o IMS Paulista abre a exposição Thomaz Farkas, todomundo, no próximo sábado (19/10). A retrospectiva ocupará dois andares do centro cultural, reunindo cerca de 500 itens, entre fotos, filmes, equipamentos e documentos, de sua autoria e relacionados à sua trajetória, além de obras de outros artistas.
A curadoria é do cineasta e crítico Juliano Gomes, da curadora independente Rosely Nakagawa, parceira de Thomaz Farkas na fundação da Galeria Fotoptica, e de Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do IMS, com assistência de Alessandra Coutinho. Na abertura (19/10), às 11h, os curadores participam de um bate-papo com o público. A entrada do debate é gratuita, com distribuição de senhas 1 hora antes. Ainda no dia de abertura, às 10h30 e às 12h30, integrantes do Clube de Choro de São Paulo realizam uma intervenção musical. O repertório apresentado dialogará com os filmes Pixinguinha e a velha guarda do samba (1954-2006), de Thomaz Farkas e Ricardo Dias,e Nossa escola de samba (1965), de Manuel Horacio Giménez.
A exposição apresenta ao público as diversas facetas da vida e obra de Farkas, cujo acervo está sob a guarda do IMS (veja mais abaixo). A retrospectiva aborda seu início na fotografia, incluindo a participação no Foto Cine Clube Bandeirante e sua primeira exposiçãono Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1949, passando pela direção no cinema documental e viagens pelo Brasil realizadas nos projetos Brasil verdade e A condição brasileira, nas décadas de 1960 e 1970 (posteriormente projetos que vieram a ser denominados como Caravana Farkas), até sua atuação enquanto empresário e incentivador do campo cultural, com a criação da Galeria Fotoptica, em 1979, primeiro espaço dedicado à fotografia no Brasil.
A partir desse panorama, a mostra ressalta como a busca pela coletividade, pelo fazer junto, perpassa a produção e a trajetória do artista, como afirma a equipe curatorial: “Esse mote da agregação, da formação em grupo, é uma linha identificada e utilizada como referência fundamental para a construção desta mostra, baseada na evidente percepção da sensibilidade e generosidade de Farkas, que atravessa tanto o tecido poético de sua obra como o sentido político de sua atuação.” Esse viés é enfatizado já na entrada da retrospectiva, com a projeção de dois filmes: Todomundo (1978-1980), curta-metragem dirigido por Farkas, que dá nome à mostra, composto por imagens de diferentes torcidas de futebol brasileiras, e Subterrâneos do futebol (1965), de Maurice Capovilla, com produção de Farkas.
Em seguida, a exposição traz fotografias feitas durante a juventude do artista. Farkas nasceu em 1924 na Hungria, em uma família de origem judaica dedicada ao comércio de equipamentos fotográficos e cinematográficos. Em 1930, quando tinha 6 anos, sua família se mudou para São Paulo, onde seu pai havia, anos antes, aberto a loja Fotoptica, no centro da cidade. Assim como os empreendimentos da família na Hungria, a loja era dedicada à venda de equipamentos e produtos, mas, com o tempo e o envolvimento de Farkas, tornou-se um ponto de encontro e circulação de ideias em torno do fazer fotográfico e cinematográfico.
O universo da produção de imagem esteve presente, portanto, desde a infância do artista, que o abraçou com entusiasmo. Em 1943, ingressou na Escola Politécnica da USP, onde se formou engenheiro mecânico e elétrico. Na mesma época, começou a trabalhar na loja da família e se tornou membro do Foto Cine Clube Bandeirante, o mais avançado centro de debates sobre fotografia da cidade. Junto com outros associados do FCCB, nomes como Geraldo de Barros e German Lorca, Farkas usava o laboratório da Fotoptica para imprimir imagens, organizava exposições nos seus corredores, entre outras ações.
Avenida São João, esquina com a Rua Líbero Badaró, na altura do Condomínio do Edifício Martinelli, em direção ao Vale do Anhangabaú, São Paulo, SP, c.1947. Thomaz Farkas / Acervo IMS. |
A exposição reúne imagens desse período inicial, com registros do centro de São Paulo, feitos na década de 1940, imagens inéditas em cores da cidade, além de sua série clássica do estádio do Pacaembu neste período. São fotos em preto e branco e em cores, com a prevalência de pessoas e multidões, mas também marcadas pela busca de novos enquadramentos e experimentações formais. Também estão presentes fotografias inspiradas no movimento surrealista, além de uma série de registros de ensaios de balé, nos quais investiga o desenho dos corpos em contraluz e o movimento.
Também na década de 1940, começou a frequentar o circuito artístico do Rio de Janeiro, aproximando-se do cotidiano e da história da cidade, marcados intensamente pelas heranças da diáspora africana e da escravização. Em imagens, também exibidas na retrospectiva, documentou o universo das escolas de samba, entre outras manifestações culturais presentes nas ruas da então capital.
Essas experimentações entre o figurativo e o abstrato, o moderno e o documental, estão presentes na exposição Thomaz Farkas – Estudos fotográficos, apresentada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1949, tida como a primeira exposição de fotografia realizada em um museu de arte no Brasil. Em seção de destaque, a retrospectiva no IMS reúne obras originais e tiragens posteriores das imagens presentes na mostra de 1949, exibidas num espaço que recria a expografia da exposição no MAM-SP.
Ao longo da década de 1950, a exemplo de outros fotógrafos do período que transitaram da experimentação formal para um engajamento social, Farkas gradualmente optou por um compromisso cada vez maior com a cena cultural e política do país, atuando como profissional e empresário. No fim da década, acompanhando o trabalho de colegas arquitetos, documentou a construção da cidade de Brasília, em imagens que mostram tanto detalhes dos projetos arquitetônicos e paisagísticos quanto as precárias condições de moradia dos trabalhadores imigrantes de várias regiões do Brasil. No dia da inauguração da capital, produziu uma série de registros do presidente Juscelino Kubitschek, em uma sequência consagrada, de quase cinema, exibida com destaque na exposição.
O interesse de Farkas pela cultura como forma de atuação social se concretizou nos anos 1960 e 1970, quando se voltou ao cinema documental, tema da sua tese de doutorado, orientada pelo crítico Paulo Emílio Salles Gomes, na Universidade de São Paulo. Em 1964 e 1965, junto com os cineastas Geraldo Sarno, Paulo Gil Soares, Maurice Capovilla e Manuel Horacio Giménez, produziu quatro documentários em preto e branco que compõem a série Brasil verdade. Em 1969, quando o país vivia sob o regime de ditadura e após a edição do AI-5, produziu um segundo projeto, A condição brasileira, reunindo, além de Sarno e Paulo Gil, Sérgio Muniz e Eduardo Escorel. Juntos, percorreram o interior do Nordeste brasileiro, para registrar, agora em filmes documentários prioritariamente em cor, manifestações culturais e a realidade social da região. Pensado como um projeto de difusão amplo, os documentários foram realizados com o intuito de serem, também, exibidos na televisão e em escolas e universidades. O projeto reuniu, além dos diretores, uma equipe de fotógrafos de cinema e técnicos, que construíram essa série pioneira de cinema documental no Brasil utilizando o som direto em sincronia com registro visual em formato 16 mm.
Na exposição, serão projetados diversos desses documentários. Entre os destaques, os quatro filmes da série Brasil verdade, todos produzidos por Farkas: os curtas Memória do cangaço(1964), de Paulo Gil Soares; Subterrâneos do futebol(1965), de Maurice Capovilla; Nossa escola de samba (1965), de Manuel Horacio Giménez; e Viramundo (1965), de Geraldo Sarno. A mostra também traz diversos títulos da série Acondição brasileira, composta por 19 filmes, realizados entre 1967 e 1972, no interior do Nordeste do país.
Pescadores em Guaratiba, Rio de Janeiro, década de 1940. Thomaz Farkas / Acervo IMS. |
Mesmo focada no cinema, a atuação de Farkas no campo fotográfico nunca cessou. Ao longo da década de 1970, fotografou, em associação com os documentários da série A condição brasileira, a região Nordeste, em um extenso trabalho autoral e documental realizado em filmes fotográficos coloridos. Em 1979, fundou, em São Paulo, a Galeria Fotoptica. Idealizada em parceria com Rosely Nakagawa, curadora desta exposição, e com atuação de Isabel Amado, a partir de 1987, a galeria realizou um total de 145 exposições e lançamentos de livros de fotógrafos, entre 1979 e 1996, especialmente de uma nova geração que iniciou sua trajetória ao longo da década de 1970.
A retrospectiva no IMS exibe obras de diversos artistas que passaram pelas paredes da galeria e formaram um importante acervo, como Luiz Braga, George Love e Claudia Jaguaribe, entre outros que, a partir da experiência de difusão no espaço, construíram suas trajetórias profissionais. Algumas das fotografias de Farkas são apresentadas em diálogo com autores presentes na coleção, numa proposta de conexão entre temas e linguagens abordados por ele e pelos artistas que foram apresentados na galeria.
A mostra também aborda outras frentes de atuação de Farkas no campo institucional, com destaque para o apoio à primeira edição do Festival Videobrasil, em 1983, pioneiro na difusão do vídeo enquanto linguagem artística e que vem sendo realizado ao longo dos últimos 40 anos.
Com entrada gratuita, a exposição fica em cartaz até 9 de março de 2025. Ao visitar a mostra, o público poderá conhecer a obra, as ideias e as iniciativas de Farkas, indivíduo cuja trajetória de vida é intrinsecamente atrelada à produção cultural brasileira, como enfatiza em suas próprias palavras: “A fotografia tem sido o sangue do meu corpo, minha cabeça e meu dedo para apertar e fazer uma foto. Este sangue flui também em meus filhos, meus netos e no futuro, meus bisnetos. […] A fotografia e o cinema têm sido os mais importantes na minha vida, evidentemente ao lado da minha família.”
Sobre o catálogo da exposição
Por ocasião da retrospectiva, o IMS lançará, em breve, o catálogo da mostra. A publicação traz imagens presentes na exposição, além de textos dos curadores e uma cronologia da vida de Farkas, com design gráfico de seu filho Kiko Farkas.
Sobre o acervo do fotógrafo
Por um acordo de parceria com Thomaz Farkas, em 2007, o IMS assumiu a guarda e a preservação da sua obra fotográfica, composta por mais de 34 mil imagens, que cobrem o período entre os anos 1940 e 1990. Em 2023, a coleção Thomaz Farkas/Galeria Fotoptica foi doada ao IMS pela família do fotógrafo. Com esta exposição, o IMS aprofunda a sua missão de pesquisa e divulgação destes acervos.
Thomaz Farkas, todomundo
Abertura: 19 de outubro de 2024
Visitação: até 9 de março de 2025
IMS Paulista | 8º e 7º andares
Entrada gratuita
Intervenção musical com oClube de Choro de São Paulo
Com Allan Abbadia (trombone), Deni Domenico (cavaco), Grazi Pizani (trompete), Lucas Brogiolo (percussão) e Yves Finzetto (pandeiro).
19 de outubro, das 10h30 às 11h e das 12h30 às 13h.
Praça do IMS Paulista (5º andar)
Entrada gratuita
Debate de abertura com Juliano Gomes, Rosely Nakagawa e Sergio Burgi
19 de outubro, às 11h
Cinema do IMS Paulista
Entrada gratuita, com distribuição de senhas 1 hora antes e limite de 1 senha por pessoa
Evento com interpretação em Libras
IMS Paulista
Avenida Paulista, 2424, São Paulo. Tel.: 11 2842-9120.
Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.