Para montar a clássica tragédia grega Édipo Rei, escrita por Sófocles por volta de 427 a.C, a Cia Veneno do Teatro e o dramaturgo, adaptador e diretor Bartholomeu de Haro pautaram-se na temática do filósofo Michel Foucault (1926-1984). As tragédias de Sófocles são tão geniais que sempre retornam, elabora o grupo. A consciência dos atos e como se desdobram sem a devida percepção dos indivíduos que são vigiados permanentemente, pode desembocar no exercício do poder alienado.
Nas referências do encenador, têm lugar os principais pensadores do século 20: Sigmund Freud, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Foucault, “além de tantos importantes autores” que lançaram seus olhares sobre a obra e canalizaram para outros desdobramentos. De Haro assistiu e se interessou pelas conferênciasproferidas por Foucault, inclusiveno Brasil, sobre As Verdades e as Formas Jurídicas. A concepção para a primeira montagem da peça Hello Édipo foi idealizar um espaço de ação atemporal que acolhesse tanto o clássico quanto o contemporâneo. “A tomada da palavra por parte do povo, dos anônimos, são alguns dos elementos fundantes nesta adaptação. Conspirando com a criação de autores como M. Yourcenar, R. M. Rilke e O. Bilac, pretendemos evocar os mitos, os arquétipos, disfarçados e/ou ocultos nas ‘encruzilhadas’ da cidade, em um contexto urbano e atual. Um ato violento e metafórico que nos faz refletir sobre a condição humana, suas ações e consequências”, afirma a atriz Elen Londero.
Sinopse – Édipo como fio condutor do inquérito – promotor, juiz, carrasco e réu de si mesmo
Todo o enredo da obra original está preservado bem como os personagens. Édipo na rua… no meio do cruzamento. Um grupo de pessoas que tenta encenar uma peça (O Inferno é para quem se acha no Céu), se amotina e toma o público como refém. O grupo decide contar a sua versão de Édipo-Rei em meio a uma encruzilhada urbana, desrespeitando a faixa de segurança onde Foucault tenta consertar o semáforo que entrou em pane. Todos estão em um confinamento (“pode ser em qualquer instituição, uma família, uma prisão, uma escola”), onde ocorre uma rebelião, um motim violento e metafórico; os atores “amotinados” capturam o público e seus personagens como reféns e os guardam dentro de si, clandestinamente. Vestidos e imbuídos dessa nova e poética insurreição nada mais resta a fazer senão percorrer o labirinto, os túneis; enfim, tentar fugir do cativeiro. Medo, prazer, poesia – há um tribunal onde a verdade será revelada com o desdobramento dos inquéritos e testemunhos. O rescaldo caberá a todos. Após esta jornada, encontra-se alguma luz, um clarão que incentiva e anuncia: dias melhores já estão vindo. O complexo é simples.
Diálogo entre o clássico e o contemporâneo
Para dar vida à história na sua concepção Bartholomeu solicitou à equipe de criação – cenografia (JC Serroni), figurino (Telumi Hellen), iluminação (Guilherme Bonfanti) e música (André Omote/Bartholomeu de Haro) – que todos os elementos cênicos estabelecessem um diálogo entre o clássico e o contemporâneo. “Lancei mão do metateatro, marcações inusitadas, sonoridades clássicas, batuques, rap original (de minha autoria) executado ao vivo, poesia urbana, grafite, cenários/figurinos/adereços, feitos de material reciclado e desconstruído, iluminação que reflete atmosferas misteriosas e poéticas, resenhas de textos atuais que interagem com a ação”, explica Bartholomeu. O diretor também criou três vídeos que são exibidos durante a peça – uma entrevista polêmica de Foucault e outros originais com as marcas da expressão dos guetos, ocupações, danças do “eterno retorno”. “Enfim, um espetáculo coeso, harmônico, repleto de associações que é performado por atuantes plenos em cena. Tudo isso para provocar, impactar e proporcionar ao público a potência com sensibilidade que o Teatro oferece”, completa De Haro.
Dramaturgia e encenação
A montagem focou como mote principal a “encruzilhada” existencial do personagem principal, “juntamente com a trajetória dos demais personagens, gerando assim um protagonismo dos atuantes para cada cena/situação.”, conta o diretor. Édipo foi o condutor do inquérito, o promotor, o juiz, o carrasco e o réu de si mesmo. Ele consegue ter êxito no inquérito, êxito esse que o destrói. De Haroressalta que “os testemunhos deveriam ser materializados e expressos na narrativa teatral trazendo a infância, a família, o totem, as muralhas, os territórios de inquéritos e aprisionamentos institucionais bem como corporais conectados com a temática de Michel Foucault e também com manifestações de outros autores e as minhas próprias realizando uma compilação poética e atual”. A proposta de Bartholomeu é que os personagens surjam das ruas da cidade, dos guetos, das ocupações. “A inovação é que nesse desdobramento cênico, os anônimos, aqui revoltosos “mascarados”, se apropriam de seus personagens e vão se revelando e estabelecendo uma relação direta com os outros personagens e público.”
Sentença de conclusão:
“Antes de ficar cego, Édipo não fez outra coisa em sua vida, senão brincar de cabra-cega com o Destino.”
Trecho da conferência de Michel Foucault na PUC- Rio, 10=973
“(…) A tragédia de Édipo é o primeiro testemunho que possuímos das práticas judiciárias gregas. É uma história onde pessoas, ignorando uma certa verdade, vão conseguir, através de uma série de técnicas, descobrir uma verdade que coloca em questão a própria soberania do soberano. Édipo foi o condutor do inquérito, o promotor, o juiz, o carrasco e o réu de si mesmo. Ele consegue ter êxito no inquérito, êxito esse que o destrói.”
Temporada – De 20 de setembro a 13 de outubro de 2024.
Sessões – Sexta e sábado às 20h30. Domingo às 18h.
SP Escola de Teatro. Praça Franklin Roosevelt, 210 – Centro, Sala Alberto Guzik – R1.
Ingressos: Gratuito. Somente pela internet: Sympla SP Escola de Teatro – www.sympla.com.br/produtor/spescoladeteatro.
Lotação: 70 lugares. Classificação indicativa: 12 anos